O Opala preto O lobo neon estava em casa procurando um Opala 1992 Diplomata para comprar. É difícil encontrar um desses, pois os colecionadores são muito complicados e caros... Mas a busca continua. Enquanto procurava nos sites de compra e venda, acabou se deparando com uma lenda urbana interessante. "Um dos mais conhecidos bandidos do Rio de Janeiro, Ubiratã Carlos de Jesus Chavez, em 1974. Em uma fuga, depois de ter roubado um Opala, ele entrou no Túnel Rebouças, onde acabou batendo em um Fusca, no qual uma família estava. Ninguém sobreviveu. Passados alguns anos, a lenda se criou. O Opala preto perseguia os carros que atravessassem o túnel de madrugada. Se o motorista lembrasse da tragédia e rezasse pelas almas das pessoas que morreram na batida, o carro-assombração começava a perder velocidade até sumir. Caso contrário, o Opala vinha em sua direção, cada vez mais rápido, até causar um acidente." Spark riu dessa lenda. Parecia algo que veio de um filme trash e ruim. Por um acaso ele encontrou um vendedor que pedia um valor razoável, R$ 25.000,00 por um Opala 4.1S manual. Duas coisas estranhas nesse carro eram o seu preço e sua quilometragem... tinha menos de 10.000 km rodados. Havia algo de errado com o carro, mas Spark não sabia dizer o que era. Resolveu entrar em contato com o cara para ver qual era a do carro. - Olá, estou interessado no Opala. Podemos conversar? - Opa. Fala aí, tranquilo? - Sim, então... O que houve com o carro? pq ele está tão barato? - Estou querendo me livrar dele o mais rápido possível. Preciso do dinheiro para sair da cidade. - Então acho que você já encontrou seu comprador xD - Podemos nos encontrar amanhã para você ver o carro - Claro! Depois de combinar com o vendedor, Spark foi dormir. Já era tarde da noite e ele pulava de alegria só de imaginar que seu maior sonho se realizaria. Finalmente ia ter seu Opala... acabou até mesmo chorando um pouco de felicidade enquanto adormecia. Acordou cedo, tomou seu café e foi para o ponto de encontro. Marcaram para as 9h e não queria chegar atrasado. O lobo azul celeste chegou cedo na praça do Afonso Pena e esperou. Não muito tempo depois, seu pelo arrepiou com a beleza que era o som daquele carro chegando. O vendedor era um hipopótamo cor-de-rosa que estava um tanto pálido. Quando saiu do carro, ele suava frio. - Spark? - Sou eu. - Spark se levantou enérgico e andou em direção ao belíssimo carro. Sua cor preta era reluzente e o ronco... era algo que fazia o lobo tremer de excitação. - Ah, olá. Suas cores são estranhas, o que são? Pintura? - Hahaha, isso aí. Adoro as cores neon e resolvi me pintar. Ficou legal? - Diferente, eu diria. E então, o que acha? - Disse o rosado apontando para o carro. Spark não conseguiu falar... o carro é tudo o que ele sonhou. Apesar de ter visto o carro de longe, ao olhar de perto seu fôlego se foi. Era mais do que ele imaginava. - Eu posso entrar? - Fica a vontade. O lobo entrou e fechou seus dedos no volante. Sentiu o cheiro suave de um perfume de folhas. O carro havia sido lavado e aspirado recentemente. Sentiu dentro de si uma urgência de acelerar e ouvir o ronco mais alto. Naquele momento o carro não estava ligado. - Nossa, seu Nilp. Como conseguiu conservar tão bem? - A urgência crescia dentro do lobo. - Podemos conversar aqui fora? - perguntou nervoso. Spark não queria sair do carro. Precisou de um esforço muito grande para isso, mas por fim venceu a vontade de permanecer ali e sentou com Nilpferd na praça. Conforme conversavam sobre a compra do carro, o hipopótamo voltava à sua cor normal. O lobo, que ignorou o fato, agora resolveu perguntar: - Por que você estava nervoso? O hipopótamo, que estava tranquilo, começou a ficar nervoso de novo. - Eu meio que tenho medo desse carro. Por isso estou vendendo ele. - Mas aconteceu algo? - Aquela história do opala, Spark. Aquilo apareceu novamente... E não gosto de lendas urbanas. Spark riu. Não acreditava nessas bobagens, mas conhecia a lenda. - Tudo bem, vou te ajudar com isso. - Sacou o celular e continuou - Me passa sua conta para transferência. As transações feitas, os papéis organizados (o que levou a manhã inteira), finalmente o carro estava no nome do lobo. Quando ele assinou o papel começou a pular de alegria. Foi uma cena engraçada, tanto que fez até o sr. Nilpferd esquecer do medo que sentia. - Agora vou pra casa com meu lindo carro - cantarolava, Spark. - Err... apenas evite o Túnel Rebouças... Spark olhou espantado, ele ainda pensava nisso? Realmente não ia passar pelo túnel, sua casa era para o outro lado, próximo ao Maracanã. - Eu moro no Maracanã, seu Nilp. Nem precisa se preocupar. Nilpferd riu de seu próprio medo e por fim se despediu do lobo colorido. Spark ligou o carro. O som forte do motor entrava pelos ouvidos dele, aquele lindo som que dava vontade de acelerar cada vez mais. Mesmo parado ele acelerou. Apenas para fazer o som ficar mais e mais alto... apenas pelo prazer de ter conseguido seu sonho. Aquele som representava uma grande conquista em sua vida. Deu ré no carro, pronto para levar ele pra casa, e parou. Deu mais algumas leves aceleradas e soltou o freio fazendo o carro cantar pneu por uns longos 3 segundos. O sorriso grande de Spark mostrava tanto as presas quanto a satisfação de uma boa compra. ----------------- Algumas semanas depois, seus amigos marcaram um passeio na Lagoa Rodrigo de Freitas, para conversar, comer algo e passear ao longo da linda lagoa. Era uma oportunidade de mostrar o carango. Limpou o Opala o melhor que podia, deixando-o brilhando a ponto de refletir a luz. Realmente era uma beleza aquele carro. Após almoçar, partiu para o encontro. O caminho mais rápido era pegar a continuação da linha vermelha, passar por Cosme Velho e chegar na Lagoa. Dirigia um tanto lento para seu gosto... queria acelerar seu carro e chegar bem rápido, queria sentir a emoção de pisar fundo e sentir o vento forte em seus pelos, mas o trânsito estava intenso e Spark entediado. Chegou até a parar por conta do fluxo de carros. - Que saco esse engarrafamento! ARGH! Ligou o rádio em uma estação com umas músicas mais pesadas para tentar se animar e fechou o olho por alguns segundos. Foi aí que veio a primeira sensação estranha. Quando recostou a cabeça no encosto, sentiu seu corpo eletrizar por uma fração de segundo. Um leve tremor e sua respiração começa a ficar mais rápida. "Eu quero correr" passava várias vezes na mente de Spark, mas não sabia de quem era a voz. Abriu os olhos e não viu um carro sequer na rua. Era como se fosse ele e somente ele no mundo. Olhou para os lados e viu que estava próximo ao Hospital Central Aristarcho Pessoa com todo aquele verde e todo aquele céu azul deslumbrante. Não se lembrava de ver um céu tão azul. "Vamos correr", ouviu a voz novamente e abriu um sorriso. Agora podiam correr abertamente. Havia um silêncio estranho no mundo. O farfalhar das folhas ao vento era um calmante e tanto. Spark arrumou-se no banco e começou a acelerar. Agora podia. Agora podia ir na velocidade que desejava. O mundo estava vazio... mas isso não é estranho? Não, pensou ele, era algo maravilhoso! Cantou pneu ao acelerar e foi. Rapidamente passou pela entrada da primeira parte do Túnel Rebouças e continuou. Nenhum carro. Nada. Apenas ele, o opala e a pista. "Acelera mais, vamos!" e assim o fez. Quanto mais acelerava, mais queria. Quando chegou aos 150 km/h sabia que podia mais. Acelerou e fechou os olhos, sentindo o carro quase voar. O tempo pareceu desacelerar, o que fez Spark abrir um pouco os olhos. Viu à sua frente seu Opala e a si mesmo olhando para trás, em terror. Tentou reagir, pisando no freio, mas na velocidade que estava era impossível parar a tempo. Cada vez mais perto e sem esperanças, olhou o velocímetro. O ponteiro passava de 200 km/h. Sem saída, começou a gritar, mas o grito não durou nem uma fração de segundo. O carro acertou em cheio a traseira do outro Opala, transformando o carro em uma sangrenta e super compactada massa de ferro. O lobo teve sua cabeça arremessada em cima dos outros carros enquanto o engavetamento ocorria. Seu cérebro ainda conseguiu registrar as vidas que haviam se perdido no acidente, isso até se espatifar no chão, espalhando partes de cérebro, pele e olhos pelo chão do túnel. ------------------------- Assim que o encontro terminou, Vorian se despediu do povo. Iria fazer uma longa viagem para casa. Seu amigo, Spark não havia aparecido e nem respondido suas mensagens. Estava fora desde um pouco antes das 15h e não visualizou o Telegram mais. Tentou até mesmo ligar pra ele, mas o celular não completava a chamada. Quando entrou no ônibus para casa, passava das 19h e ele resolveu ver as notícias do dia. "Acidente mata 20 e deixa 50 feridos no Túnel Rebouças". Vorian ficou assustado. Clicou para ver a notícia, que era um vídeo do que foi televisado naquela tarde. O vídeo mostrava a cara da reporter que noticiou o acidente: "(...) Estamos com a repórter Clara Rodrigues no local fazendo a cobertura do acidente que aconteceu no Túnel Rebouças nessa tarde. Clara, o que você pode nos dizer sobre isso?" "Boa noite, Kauan. Estamos aqui no Túnel Rebouças, com os bombeiros e policiais onde ocorreu novamente um acidente envolvendo um opala. O acidente ocorreu às duas e quarenta e dois da tarde quando um Opala 1992 Diplomata foi flagrado nas câmeras a uma velocidade de aproximadamente 190 km/h. O mistério, Kauan, é que nesse momento o trânsito estava extremamente lento, não dando espaço para que um carro pudesse chegar a essa velocidade. Esse acidente deixou muitos mortos e feridos, contabilizando 20 pessoas mortas e pelo menos 50 feridas. O mais estranho é que o Opala bateu em outro Opala idêntico que estava à frente, quase na saída do túnel. Boa parte das pessoas feridas já foi liberada para casa enquanto ainda outras estão no hospital em estado grave. (olhou o papel em mãos) De acordo com a perícia que recolheu amostras de DNA no local, o carro pertencia a um lobo chamado Spark que..." Vorian ficou paralisado. Não acreditou no que a repórter falou naquele momento, precisava voltar o vídeo e ouvir novamente: "... DNA no local, o carro pertencia a um lobo chamado Spark que havia comp-..." Vorian começou a se desesperar. Seu melhor amigo morreu num acidente terrível que ele mesmo foi o autor. Vorian colocou a cabeça entre as pernas e chorou como uma criança. Quando lembrou que o lobo tinha falando um pouco antes do acidente que ia levá-lo para fazer um zerinho na Lagoa, chorou mais ainda. O celular em cima do banco ainda continuava a terminar a reportagem: "... esse acidente repetiu a mesma tragédia de 1974. Infelizmente dessa vez o dano foi maior e muitas vidas foram perdidas. Nossos sentimentos para as famílias. É com você, Kauan." "Obrigado, Clara. Nós desejamos nossos sentimentos às famílias das vítimas. Boa noite."